Dico – Breve História do Metal Português
Na sequência do pré-lançamento de uma obra literária icónica do movimento nacional está de regresso através de uma nova edição revista e aumentada a “Breve História do Metal Português” da autoria do Dico (Eduardo José Almeida).
Nada melhor do que recordar uma entrevista dada pelo Dico à Ode Lusitana em Abril do ano passado.
Jornalista e músico, Dico tem deixado a sua marca na história do underground nacional. Dos vários trabalhos realizados, até projectos que ainda estão em gestação ficamos a conhecer o excelente empenho demonstrado.
Viva Dico! Desde já queria agradecer por teres aceitado responderes a estas perguntas e queria começar por que nos contasses como foi a tua introdução ao “Som Eterno”? Ouvias os álbuns sozinho em casa ou existia a partilha com os amigos?
Olá, Marco. Eu é que agradeço o convite. O primeiro tema pesado que me recordo de ter ouvido foi o “Bohemian Rahpsody”, dos Queen, aos 7 anos. Na época, por influência dos meus irmãos, também ouvia a Suzi Quatro e, mais tarde, o hit single dos Survivor, “Eye of the Tiger”. Estes foram os primeiros artistas de Hard Rock que ouvi. Tinha eu 11 anos, em 1982, quando o meu irmão me deu a ouvir o “The Number of the Beast”, dos Iron Maiden, e a partir daí fiquei definitivamente enfeitiçado pela música pesada. Comecei a ouvir Van Halen, UFO, AC/DC, Saxon, Deep Purple, Huriah Heep, Motörhead, bandas que o meu irmão e os amigos dele me mostravam. Cedo comecei, também eu, a levar lá a casa os meus amigos para os endoutrinar no Heavy Metal (LOL).
Tinhas lojas em que procuravas as novidades que iam surgindo?
Sim. Passei inúmeras tardes com amigos a descobrir novos discos nas míticas discotecas Motor (mais tarde Bimotor) e One-off, bem como numa loja de música que havia no Centro Comercial do Lumiar.
Como começou o teu fascínio pela bateria? Ainda te lembras da tua primeira aquisição?
Lembro-me de ficar absolutamente fascinado com a forma de tocar do Nicko McBrain, dos Iron Maiden. Por isso, aos 12/13 anos comecei a “tocar bateria” em caixotes de papelão com as agulhas de tricot da minha mãe (LOL). Depois, passei a “tocar” com colheres de pau viradas ao contrário em caixas tupperware fechadas com ar dentro, para dar mais estrondo (LOL). Só aos 18 anos comprei a minha primeira bateria, uma Superstar (LOL) que custou 80 contos (400€) e me foi oferecida por uma tia. Na época, não sabia nada do hardware do instrumento. Lembro-me que a dada altura o lojista que me vendeu o kit disse: “Vou buscar a chave da bateria” e eu perguntei-lhe: “As baterias também têm chave?” (LOL) Na época, era este o meu grau de desconhecimento.
Ao longo do teu percurso musical passas por várias bandas (Paranóia, Powersource, etc), mas fala-nos da tua passagem pelos Dinosaur, desde a gravação da demo auto-intitulada, ao aparecimento do tema “Accident” na compilação “The Birth of a Tragedy”, assim como da tua passagem pelos Sacred Sin e do lançamento do “Darkside”.
A minha passagem pelos Dinosaur não foi isenta de problemas e conflitos, mas prefiro recordar os bons momentos, que foram muitos. Adorava os Dinosaur. Evoluímos e crescemos em conjunto. Nos dois anos que estive no grupo tivemos vários pontos altos: a participação no 1º Concurso de Música Moderna da Câmara Municipal de Lisboa, o concerto no Cais do Sodré na final do concurso, a 1º parte dos Censurados na Bobadela, a gravação da demo-tape e dos telediscos, a participação na compilação “The Birth of a Tragedy” com o tema “Accident”…Tenho orgulho daquilo que alcançámos. Fazíamos música genuína, com paixão, de forma inocente. Sabíamos que tínhamos bons temas, mas só percebemos que estávamos a fazer algo relevante quando chegámos à final do referido concurso e fomos objecto de uma exposição mediática pouco habitual na época para um grupo de Metal underground. Vivi nos Dinosaur momentos mágicos. Também foi um enorme privilégio tocar com os Sacred Sin e tive a sorte de gravar com eles o “Darkside”. Estive com a banda menos de um ano, mas esse período temporal, apesar de breve, foi também extremamente profícuo. O ambiente interno era impecável, mas na época estava a atravessar uma fase complicada a nível pessoal, o que me impediu de aproveitar melhor a minha estadia na banda. Além disso, tecnicamente não estava preparado para tocar num grupo como os Sacred Sin.
Um dos motivos porque és reconhecido no meio é pela tua escrita. Desde a participação em várias revistas a blogues, ao longo dos anos tens demonstrado esse interesse. Como surge essa paixão? O que te tem motivado ao longo dos anos a participares nesses projectos todos?
O que me motiva é um profundo amor pelo Underground. Tenho sempre de estar a fazer algo relacionado com o Metal. Sempre. Desde há muitos anos que essa necessidade irreprimível se manifesta na escrita sobre música. Muitas vezes não consigo ter tempo para todas as publicações nas quais colaboro. Sempre adorei escrever, portanto foi natural aliar esse gosto à minha paixão pelo Metal. Em 1989/1990 elaborei o projecto de uma zine intitulada No More Denial, que nunca chegou a ser publicada, mas a primeira vez que efectivamente escrevi sobre música foi em 1991, para a Metal Trail Zine.
Em 2013 é editado o livro “Breve História do Metal Português”. Confesso que quando o adquiri o li de uma ponta a outra, com os headphones metidos na cabeça e com o youtube ligado à procura de bandas que apareciam e que não tinha sequer conhecimento da sua existência. Foi um projecto bastante difícil de fazer?
Já várias pessoas me disseram que pesquisavam na Internet as bandas presentes no livro à medida que o liam. Essa é, efectivamente, a melhor forma de apreciar o “Breve História do Metal Português”. É uma descoberta constante. Não foi propriamente difícil de fazer, até porque foi um processo progressivo. Só a dado momento, quando já tinha um significativo volume de informação, percebi que fazia sentido dar-lhe a forma de livro. Assim foi, apesar de, à época, me debater com problemas de saúde. O que correu pior foi a relação de trabalho com a editora. As propostas de paginação que me apresentaram eram desastrosas, pelo que tive de tomar as rédeas ao projecto e encontrar quem paginasse o livro. Desvinculei-me da editora, pelo que a segunda edição foi da minha inteira responsabilidade.
Também ficaste surpreendido por algumas bandas? Que bons momentos guardas deste trabalho?
Surpreendeu-me o facto de músicos como o José Cid ou o Júlio Pereira terem tido um papel, embora fugaz, na génese do Rock pesado nacional durante os anos 70. São artistas a quem não associamos uma abordagem musical mais pesada. As melhores recordações que guardo são do processo de investigação, da descoberta constante de novas informações. Foi um percurso fantástico, descobri imensas bandas e adquiri muito conhecimento. Outra boa recordação prende-se com o facto de todos os músicos que entrevistei se revelarem bastante acessíveis e humildes. Foi uma surpresa. Por fim, é inesquecível a sensação de tomar nas mãos, pela primeira vez, um exemplar do livro.
Um dos blogues que eu seguia curiosamente era o “A a Z do Metal Português”. E aqui a pergunta: para quando uma compilação deste material que estava todo reunido? Estarias disponível para lançar este material via ebook?
Para minha desagradável surpresa descobri diversas vezes textos oriundos do blogue publicados noutros locais, sem a minha autorização. A dada altura, havia 4 ou 5 biografias da minha autoria a circularem livremente pela Internet, sem a minha assinatura. Tive de ameaçar os responsáveis com um processo judicial. Após esses tristes episódios entendi que o blogue não podia ser, de forma alguma, uma livre fonte de recolha de informação para ladrõezecos da propriedade intelectual alheia. Por outro lado, houve músicos que ficaram melindrados com as biografias que publiquei no blogue sobre as suas bandas. Não gostaram de ver relembrados episódios reais que quiseram negar e esquecer. Esses músicos envergonhavam-se do seu passado musical e queriam negá-lo, mas a história não desmente os factos. Eram pessoas que não mereciam o meu empenho e investimento de tempo a redigir as biografias dos seus grupos. Por todas estas razões, decidi eliminar o blogue. Nessa medida, embora a ideia de publicar esse material seja extremamente atractiva, não sei até que ponto seria sensato fazê-lo, pelo menos a breve/médio prazo. Antigas refregas ressurgiriam e não tenho paciência para conflitos desnecessários.
Tens em mente a edição de mais algum trabalho? O que gostarias de lançar?
Antes de mais, estou a procurar condições para fazer uma nova impressão do “Breve História do Metal Português”. Há muito que o livro esgotou e tem havido imensos pedidos, pelo que se impõe uma nova edição. Contudo, financiar o projecto não é fácil. Por outro lado, gostaria de escrever a história do Metal feito num país com ligações históricas a Portugal mas cujo nome ainda não posso revelar. As ideias para esse projecto ainda não passam disso mesmo. Estou também a compilar informação para escrever a minha autobiografia musical. Talvez haja 1 ou 2 pessoas interessadas em lê-la. (LOL)
E assim terminamos esta entrevista onde as últimas palavras são por tua conta, mas antes disso queria saber a tua opinião acerca do estado ‘literário’ do nosso país em relação ao metal e o que aconselharias a todos para se iniciarem neste mundo da edição, desde os livros às fanzines.” Obrigado e abraço!
Em relação a livros sobre Metal publicados no nosso país ainda estamos numa fase embrionária. Além do meu livro e da biografia dos Moonspell nada existe. No entanto, sei que a biografia de outra banda está para ser publicada há mais de um ano. Em termos literários destaco a corajosa fundação das Publicações a Ferro e Aço, editora que lançou a versão portuguesa da biografia dos “Metallica …And Justice for All: The Truth About Metallica” e prepara o lançamento de mais obras do género. Ou seja, o mercado está a mexer, mas ainda de forma incipiente. O meu conselho é que quem deseje publicar um livro o faça como edição de autor. Ao contrário do que muitos dizem este género de edições não são desprestigiantes. É sempre melhor ser o próprio autor a ter controlo absoluto sobre todo o processo, desde a publicação à promoção, do que depender de editoras. Trabalhei com duas no âmbito do meu livro e ambas as experiências foram autênticos flops. Em regime de edição de autor a distribuição da obra pode ficar circunscrita à meia dúzia de lojas em que o autor consegue disponibilizar o livro, mas as vendas por correio são extremamente eficazes e suplantam essa dificuldade desde que a promoção seja eficaz.
Relativamente às fanzines também é necessário encontrar boas formas de divulgação e distribuição. Um bom grafismo, escrita de qualidade e uma periodicidade cumprida à risca são fulcrais. Estas regras aplicam-se igualmente às webzines, e-magazines, newsletters e formatos análogos.
Para terminar, dêem ao Metal o vosso melhor contributo, seja através da formação de grupos, da promoção de concertos, da publicação de zines ou da realização de programas radiofónicos. Ajudem o Underground a desenvolver-se. Sejam persistentes e felizes.
Como comentado, fazem as pré-encomendas do seu novo livro através do mail livrobhmp@yahoo.com.
Também disponível para descarga a compilação para download gratuito “Breve História do Metal Português – Banda Sonora Infernal”aqui.
This entry was posted on 19 de Fevereiro de 2016 by Marco Santos. It was filed under Entrevistas and was tagged with Dico Breve História do Metal Português.
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